Após pouco mais de um ano da edição da Lei n. 13.988/2020, que regulamentou a transação tributária em âmbito federal, já foram firmadas mais de quarenta transações individuais entre contribuintes e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)[1]–[2].
Desde a primeira transação individual disponibilizada, o Comitê Temático de Transação e NJP do Instituto Brasileiro de Arbitragem e Transação Tributárias (IBATT), tem se debruçado sobre cada um dos acordos, a fim de verificar os parâmetros utilizados em cada uma das avenças, bem como eventuais distorções e incongruências.
Vários acordos chamaram a atenção por diversas razões[3] como, por exemplo: (i) ausência de informações básicas sobre os débitos transacionados, tais como o montante total da dívida e os percentuais de desconto por natureza dos débitos (previdenciários e não previdenciários); (ii) ausência dos anexos com a discriminação das garantias ofertadas pelo contribuinte; (iii) exigência de regularidade fiscal em relação ao futuro, mesmo nos casos em que o pagamento dos débitos se deu na modalidade “à vista”; e (iv) necessidade de averbação no registro competente do acordo de transação.
E é justamente sobre a exigência do registro do acordo de transação individual no competente cartório de títulos e documentos que o presente artigo pretende discorrer.
Em um dos “termos de transação individual” celebrado entre a PGFN da Terceira Região (TRF3) e determinado contribuinte, consta no item 6.2.8 dessa avença que o contribuinte se obrigou a “registrar o presente termo de transação em cartório de títulos e documentos desta capital, em até 30 dias após sua assinatura”.
E a pergunta a que nos propomos responder neste artigo é se, de fato, há a obrigatoriedade de averbação do acordo de transação individual perante o respectivo cartório de título e documentos.
Uma das funções da averbação de determinado acordo no registro de título e documentos é dar publicidade a terceiros das obrigações assumidas entre as partes contratantes.
Ou seja, visando a externar à sociedade que determinada pessoa, física ou jurídica, comprometeu-se em adimplir com os termos do acordo firmado com seu credor, registra-se em cartório esse documento.
Há situações em que a legislação competente exige o registro[4] do acordo firmado entre credor e devedor e há hipóteses em que esse registro é facultativo.
A Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973) não exige a averbação dos acordos firmados pelas partes. Logo, não haveria a obrigatoriedade de o “termo de transação individual” firmado entre PGFN e contribuinte ter sido levado a registro perante o competente cartório de notas e documentos.
Outro ponto que demonstra a desnecessidade de averbação do contrato firmado entre PGFN e o contribuinte reside no fato de que um dos princípios norteadores da transação em matéria tributária é o princípio da publicidade[5], segundo o qual todos os atos emanados do Poder Público devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os indivíduos.
Sobre a importância do princípio da publicidade nas relações entre Administração Pública e administrado, veja-se as palavras de Hely Lopes Meirelles[6]:
“O princípio da publicidade dos autos e contratos administrativos, além de assegurar seus efeitos externos, visa a propiciar seu conhecimento e controle pelos interessados direitos e pelo povo em geral, através dos meios constitucionais – mandado de segurança (art. 5º, LXIX), direito de petição (art. 5º, XXXIV, ‘a’), ação popular (art. 5º, LXXIII), ‘habeas data’ (art. 5º, LXXII), suspensão dos direitos políticos por improbidade administrativa (art. 37, §4º) – , e para tanto a mesma Constituição impõe o fornecimento de certidões de atos da Administração, requeridas por qualquer pessoa, para defesa de direitos ou esclarecimentos de situações (art. 5º, XXXIV, ‘b’), os quais devem ser indicados no requerimento. Observa-se que a Constituição alude, genericamente, ‘as repartições públicas’, abrangendo, obviamente, as repartições da Administração direta e indireta, porque ambas são desmembramentos do serviço público e, como tais, têm o dever legal de informar o público sobre a atuação funcional.”
Ora, se a própria lei que regulamentou a transação tributária especifica nos §3 e §2º do seu artigo 1º[7] que deverá ser observado o princípio da publicidade e que haverá divulgação por meio eletrônico dos acordos firmados, por qual razão se impõe uma cláusula que requer o registro do termo de transação em cartório de títulos e documentos? Na nossa opinião, não existe fundamento jurídico e/ou lógico para tanto, além de gerar um custo desnecessário ao contribuinte.
Sendo assim, tendo em vista que a própria lei coloca como inequívoca a observância do princípio da publicidade, resguardando as situações legalmente protegidas por sigilo, parece-nos existir um certo preciosismo no acordo que requer o registro do termo de transação no cartório de títulos e documentos, principalmente quando verificado que tal condição não está presente nas outras transações firmadas, inclusive pela própria PGFN da TRF3.
Portanto, importante atentar a todas as exigências apresentadas pelo Fisco quando da celebração de transação individual, a fim de evitar que cláusulas como as tratadas no presente artigo sejam impostas aos contribuintes. Ao se proceder dessa forma, certamente teremos transações mais isonômicas, transparentes e eficientes. E é isso que todos os contribuintes mais almejam e buscam!
[1] De acordo com o artigo 4º, da Portaria PGFN n. 9917/2020, são elegíveis à transação individual os débitos inscritos em dívida ativa de determinado contribuinte que superem R$ 15 milhões:
“Art. 4º São modalidades de transação na cobrança da dívida ativa da União e do FGTS: (Redação dada pelo(a) Portaria PGFN nº 3026, de 11 de março de 2021)
1º A transação de débitos inscritos em dívida ativa da União cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) e aquela de débitos inscritos em dívida ativa do FGTS cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) serão realizadas exclusivamente por adesão à proposta da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, sendo autorizado, nesses casos, o não conhecimento de propostas individuais. (Redação dada pelo(a) Portaria PGFN nº 3026, de 11 de março de 2021)
[2] Todas as transações firmadas até o momento podem ser consultadas no site da PGFN: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/divida-ativa-da-uniao/painel-dos-parcelamentos/termos-de-transacao-individual
[3] Estas peculiaridades verificadas nos acordos de transação serão objeto de outros artigos a serem produzidos pelo Comitê Temático de Transação e NJP do Instituto Brasileiro de Arbitragem e Transação Tributárias (IBATT).
[4] Os acordos de vontade que necessariamente devem ser levados a registro são os descritos no artigo 129 da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973):
“Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros:
1º) os contratos de locação de prédios, sem prejuízo do disposto do artigo 167, I, nº 3;
2º) os documentos decorrentes de depósitos, ou de cauções feitos em garantia de cumprimento de obrigações contratuais, ainda que em separado dos respectivos instrumentos;
3º) as cartas de fiança, em geral, feitas por instrumento particular, seja qual for a natureza do compromisso por elas abonado;
4º) os contratos de locação de serviços não atribuídos a outras repartições;
5º) os contratos de compra e venda em prestações, com reserva de domínio ou não, qualquer que seja a forma de que se revistam, os de alienação ou de promessas de venda referentes a bens móveis e os de alienação fiduciária;
6º) todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal;
7º) as quitações, recibos e contratos de compra e venda de automóveis, bem como o penhor destes, qualquer que seja a forma que revistam;
8º) os atos administrativos expedidos para cumprimento de decisões judiciais, sem trânsito em julgado, pelas quais for determinada a entrega, pelas alfândegas e mesas de renda, de bens e mercadorias procedentes do exterior.
9º) os instrumentos de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em pagamento.”
[5] Art. 1 º
2º Para fins de aplicação e regulamentação desta Lei, serão observados, entre outros, os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da transparência, da moralidade, da razoável duração dos processos e da eficiência e, resguardadas as informações protegidas por sigilo, o princípio da publicidade.
3º A observância do princípio da transparência será efetivada, entre outras ações, pela divulgação em meio eletrônico de todos os termos de transação celebrados, com informações que viabilizem o atendimento do princípio da isonomia, resguardadas as legalmente protegidas por sigilo.
[6] In Direito Administrativo Brasileiro. 36ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 36ª edição, 2010. 96 p.
[7] Art. 1 º
2º Para fins de aplicação e regulamentação desta Lei, serão observados, entre outros, os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da transparência, da moralidade, da razoável duração dos processos e da eficiência e, resguardadas as informações protegidas por sigilo, o princípio da publicidade.
3º A observância do princípio da transparência será efetivada, entre outras ações, pela divulgação em meio eletrônico de todos os termos de transação celebrados, com informações que viabilizem o atendimento do princípio da isonomia, resguardadas as legalmente protegidas por sigilo.
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