O juiz Milton Biagioni Furquim, da 2ª Vara Cível de Guaxupé (MG), a 478 quilômetros de Belo Horizonte, determinou que um idoso de 75 anos deve receber uma terceira dose da vacina contra Covid-19, mas que o imunizante não pode ser nem Coronavac nem Astrazeneca.
O homem, que é hipertenso e cardiopata, já foi vacinado, nos meses de março e abril, com duas doses da Coronavac. No entanto, sustenta que, ao fazer um teste de sorologia 40 dias após a segunda dose foi verificado que a presença de anticorpos IgG era inferior a 20%, o que o juiz considerou como “resultado negativo e sem efeito [de] imunização”.
O idoso também apresentou um laudo no qual a sua médica afirma que o homem deve se submeter “a nova vacinação com vacina diferente, já que não se desenvolveu imunidade e é grupo de risco” e que a AstraZeneca não seria indicada a ele devido ao “risco de trombose”.
Em junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) validou o uso emergencial da vacina da Sinovac contra a Covid-19 — produto equivalente à CoronaVac, mas com cadeia de fabricação distinta. Os resultados de eficácia mostraram que a vacina preveniu doenças sintomáticas em 51% dos vacinados e preveniu Covid-19 grave e hospitalização em toda a população estudada.
Decisão controversa
Apesar de entender que o resultado negativo da sorologia e o laudo médico atestam que “a vacina submetida ao organismo do homem em nada lhe imunizou”, o magistrado ressalta que fazer testes para medir o nível de anticorpos após a vacinação não é algo recomendado por entidades e especialistas em saúde pública.
“Esses exames não são capazes de medir toda a resposta imune após as duas doses e podem levar a interpretações absolutamente equivocadas sobre a eficácia das vacinas”, pontua.
Na ausência de uma diretriz sobre a dose extra, segundo o magistrado, “o cidadão deve ser atendido, ainda mais quando há recomendação médica, e o próprio interessado assume toda responsabilidade em caso de sequelas”.
Por fim, defende que a questão posta em litígio não diz respeito a maior ou menor eficácia da vacina Coronavac, mas sim, ao “fato de um cidadão de grupo de risco, acometido de várias outras doenças, mesmo tomando as duas doses constatou-se, posteriormente, que encontra-se vulnerável a contrair o vírus”.
Infectologistas ouvidos pelo JOTA consideram a decisão “equivocada” e um “desserviço”. “. Não existe ainda no mundo nenhum exame feito de rotina que possa dar a resposta se a pessoa está protegida contra a Covid-19 ou não. É um equívoco fazer este exame e achar que por isso não está protegido”, avalia a infectologista Raquel Silveira Bello Stucchi, professora da Unicamp. Ela lembra que exames deste tipo desconsideram a imunidade celular, um importante mecanismo de defesa ativado com as vacinas. Em resumo, Stucchi considera decisão “sem fundamento e “um desserviço”.
Esper Kallás, infectologista e professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP, considera a decisão equivocada em todos os sentidos. “Há um desencontro de informações e não é a melhor forma de resolver. Este teste não é validado como marcador de proteção”, avalia. “Se tivermos outras decisões assim vamos subverter o Programa Nacional de Imunização e vai virar um caos. O juiz deveria pedir a uma assessoria técnica para interpretar essas coisas. Judicializar a medicina dá nisso”.
Na decisão, o juiz dá 24 horas a partir da notificação para que o município cumpra a determinação. Para fazer valer a determinação o magistrado condenou o prefeito do município de Guaxupé, como pessoa física, ao pagamento de multa diária de mil reais em caso de descumprimento da sentença, limitada a R$ 30 mil.
O caso tramita com o número 5002532-02.2021.8.13.0287. A prefeitura de Guaxupé afirmou que irá recorrer.
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