No dia 13 de maio entrou em vigor a Lei 14.151/2021 que, em sua lacônica redação, determinou o “afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus”. Não por acaso essa norma tem sido alvo de críticas.
Entre elas, o fato de que o legislador sequer forneceu uma alternativa para a hipótese em que os serviços não possam ser prestados de forma remota, transferindo o ônus para os empregadores, e a ausência de fixação de um prazo efetivo para o término da obrigação estabelecida no texto. O contexto gera extrema insegurança jurídica, visto que o prazo inicialmente fixado pela Lei 13.979/2020 para término da emergência de saúde pública foi ultrapassado e até o momento não adveio norma posterior sobre o tema.
Considerando o ritmo da vacinação no Brasil e a ameaça de uma terceira onda do vírus, imagina-se que a emergência de saúde pública de importância nacional ainda se estenderá por considerável lapso temporal – no mínimo, até o final desse ano. Desta forma, empregadores podem se ver obrigados a custear salários e encargos por ao menos seis meses, sem contar com a respectiva força de trabalho – e isso sem qualquer subsídio ou auxílio do Estado.
Assim, além das críticas sob o ponto de vista jurídico, há um aspecto social em que sua repercussão será negativa: o ingresso da mulher no mercado de trabalho. Certamente haverá um desestímulo para contratação de mulheres em atividades que não comportam sua execução de forma remota enquanto perdurar o estado de emergência – e isto não poderia ocorrer em momento pior.
Desde o início da pandemia, as mulheres concentram o maior número de perdas dos postos de trabalho, representando 65% das vagas formais perdidas, segundo informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia.
Para tornar esse cenário ainda mais complexo, não apenas as mulheres são as que mais perdem seus empregos, mas também as que possuem maior dificuldade de serem reinseridas no mercado de trabalho. Segundo o Caged, das vagas criadas entre julho e outubro de 2020, 77% foram ocupadas por trabalhadores do gênero masculino.
Esses dados se tornam ainda mais preocupantes ao se constatar que as mulheres já são, historicamente, minoria no mercado de trabalho, representando cerca de 40%, apesar de a população brasileira ser composta por mais mulheres do que homens, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Não por acaso, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) verificou que a participação das mulheres entre os trabalhadores ativos atingiu o pior nível dos últimos 30 anos. O vão existente entre homens e mulheres se tornou um abismo.
O fenômeno não é presente exclusivamente no Brasil, é claro, podendo ser observado em diversos países de primeiro mundo, como detalhado no relatório Women in Work elaborado pela PricewaterhouseCoopers (PwC), que o denomina como “shecession” (recessão feminina).
Diante desse cenário lamentável, para nossa surpresa, foi promulgada uma lei com potencial de intensificar ainda mais a tão presente discriminação de gênero no Brasil, já agravada pela pandemia de Covid-19.
Inclusive, vale ressaltar mais um dado preocupante: as mulheres correspondem a ampla maioria na linha de frente no combate à pandemia, segundo o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Somente na área da enfermagem, elas ocupam 80% dos postos de trabalho. E, correndo o risco de se incorrer em um truísmo, as atividades atinentes à função de enfermeira, por óbvio, não podem ser executadas de forma remota.
Ou seja, além de desestimular a contratação de mulheres – especialmente diante da absoluta incerteza de quanto tempo o afastamento será necessário – e aumentar sua discriminação para fins de acesso e inserção no mercado, ainda ficará comprometido o efetivo disponível pelos hospitais e demais unidades de saúde no combate à pandemia.
Enquanto isso, projetos de lei de alta relevância para combater a discriminação da mulher – em especial, aqueles que preveem o estabelecimento da licença parental, em substituição à licença-maternidade, como existente em países como Suécia e Espanha, ou aqueles que majoram a duração da licença-paternidade –, permanecem estáticos no Congresso Nacional.
A sociedade, como de costume, sofre as consequências de mais uma opção legislativa equivocada.
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