Na esteira do estímulo à consensualidade e à garantia do aprimoramento da eficácia das ferramentas de arrecadação, o Subprocurador Geral do Contencioso Tributário-Fiscal da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGESP) editou a Portaria SUBGCTF nº 14/2021, publicada essa semana (no último dia 24/07), que regulamenta, no âmbito Fazenda Estadual de São Paulo, a celebração de Negócio Jurídico Processual (NJP) para resolução de litígios de natureza tributária e não tributária.
De acordo com o normativo, a ferramenta, concebida à “imagem e semelhança” daquela regulamentada no âmbito federal pela Portaria PGFN nº 742/2018 (entre aspas mesmo, pois as diferenças superam as coincidências), pode ser usada por iniciativa do contribuinte ou da própria Procuradoria, para as seguintes finalidades, sem prejuízo de outras para as quais se mostre eficaz:
Elaboração de plano para pagamento de débitos tributários ou não tributários, inscritos em dívida ativa contra uma mesma pessoa, natural o jurídica, que não estejam com exigibilidade suspensa ou que ainda não sejam objeto de execução fiscal ou questionamento judicial;
Elaboração de plano de garantias para aceitação, substituição, levantamento e execução de garantias apresentadas em execuções fiscais;
Reunião de execuções fiscais;
Calendarização da dívida ou de prazos processuais;
Delimitação de questões de fato e de direito arguidas em juízo;
Elaboração e conferência de cálculos para liquidação de sentença;
Cumprimento de decisões judiciais;
Procedimento de conversão do depósito em renda; e
Parcelamento de honorários fixados em favor do Estado.
Já se adentrando no mérito das semelhanças e das diferenças, vê-se que o NPJ paulista é mais abrangente que o federal no que diz respeito às possibilidades para sua utilização, não obstante também observarmos algumas relevantes restrições. Além da impossibilidade de redução das dívidas negociadas e das renúncias às garantias e privilégios do crédito tributário, é vedada a celebração do referido negócio jurídico (i) quando tenha por efeito, direto ou indireto, a confissão pelo Estado do fato ou direito material discutido, ressalvadas as hipóteses de dispensa de apresentação de contestação ou recursos; (ii) quando este gerar custos adicionais para o Estado, (iii) quando prever a imposição de multa pecuniária; (iv) quando os débitos nele contidos tiverem sido objeto de NJP previamente rescindido pelo contribuinte ou (v) quando envolver órgãos externos à PGE/SP para seu cumprimento, a menos que referido órgão manifeste anuência com relação ao negócio celebrado.
O NJP não suspende automaticamente as ações aos quais é aplicado e nem a exigibilidade dos débitos que dele são objeto, a menos que identificadas uma das causas de suspensão contidas no artigo 151 do CTN.
Dessa forma, o instituto, assim como o modelo federal, se vincula à celebração de parcelamento, acordo de transação ou apresentação de garantias, cuja sistemática de levantamento, substituição ou execução pode ser programada em seu próprio bojo, tal como dispõe o art. 1º, inciso II da Portaria SUBGCTF 14/2021.
Um fato curioso sobre essa modalidade de negociação é a adoção de critérios, um tanto quanto subjetivos, para avaliação e aceite da proposta de NJP a ser ofertada pelo contribuinte, a exemplo de seu histórico de condutas processuais. Quais seriam esses critérios? Cumprimento de prazos e diligências dentro das execuções respectivas, quando o NJP versar sobre débitos inscritos em dívida ativa já ajuizados? O ânimo do contribuinte para o ajuizamento de ações contra a Fazenda Pública paulista para discussões quanto à exigibilidade de débitos e à redução de multas e juros? Os processos administrativos de recuperação de créditos de ICMS, por exemplo, pela via do e-Credac, também entrariam nessa classificação, já que a norma fala em conduta processual, sem limitá-la ao âmbito judicial? Essas são dúvidas que já pairam e que podem afugentar, em um primeiro momento, contribuintes com débitos elegíveis à regularização pela via do NJP.
Também será levado em conta para avaliação da proposta e do plano de pagamento a ser apresentado pelo contribuinte o rating da dívida, tal como apurado para fins de celebração de acordo de transação. Com base nesse rating, o contribuinte poderá ter seus débitos escalonados, de acordo com critérios exclusivos definidos na Portaria.
Contribuintes de rating D, por exemplo, deverão garantir a totalidade dos débitos negociados e recolher 20% do valor total da dívida quando da assinatura do termo, ao passo que devedores de rating C e B ficam incumbidos do recolhimento no ato de 10% e 5% do valor total da dívida, respectivamente, e os contribuintes do rating A, que são aqueles que possuem maior capacidade financeira para pagamento dos seus débitos, ficam dispensados do recolhimento desse pedágio, podendo usufruir inclusive de escalonamento mais favorável do saldo remanescente, que deverá ser quitado obrigatoriamente em até 60 parcelas, com inclusão do total dos débitos inscritos em dívida ativa de titularidade de uma mesma pessoa física ou jurídica que não estejam com exigibilidade suspensa, vedada a inclusão parcial.
Não nos parece fazer sentido a conjugação do NJP com transações e parcelamentos, como sugere a Portaria, nas propostas que envolvem plano de pagamento de débitos inscritos, sobretudo porque os parcelamentos e a transação, a rigor, reduzem o valor total da dívida, e o NJP não. Nos parece que o racional da PGESP foi atrelar o pagamento do débito, pela via da transação ou do parcelamento, com o NJP instaurado com objetivo diverso da apresentação de plano de amortização, ou de viabilizá-lo como alternativa para o contribuinte que possua débitos relativos a períodos não contemplados pelos Editais de transação.
Também não nos parece razoável, ainda mais em tempos de pandemia e retração econômica, a celebração de um acordo processual que beneficie o contribuinte com significativa capacidade de pagamento em detrimento daquele que atravessa dificuldades financeiras. Nos parece claro que, para a PGESP, o NJP foi concebido para o contribuinte com liquidez financeira (com ressalvas, já que a transação paulista oferece aos contribuintes de rating A, desconto de 20%, sobre multa e juros, limitados a 10% do valor total da dívida no momento do deferimento), restando àqueles insolventes o caminho da transação, que muito embora ofereça descontos atraentes para ratingsinferiores, retira desses na maioria das vezes a possibilidade de diálogo, eis que quase sempre resta a esses devedores a vala comum da transação por adesão.
O NJP paulista, embora reflita iniciativa louvável da PGESP em viabilizar um segundo caminho para a resolução consensual de litígios envolvendo a Fazenda Pública respectiva, merece debate e aprimoramento constante, sob pena de se esvaziar na linha do tempo, com novos editais de transação e a edição de novos parcelamentos.
Comentários