Nos últimos anos, o Brasil passou a ser o lar de uma série de unicórnios, startups de base tecnológica com valor de mercado superior a US$ 1 bilhão, o que mostra definitivamente a capacidade brasileira de gerar inovações relevantes, tanto local quando internacionalmente.
No entanto, esse cenário de prosperidade exponenciou o drama da formação de profissionais qualificados para atuação na área de tecnologia. Recente notícia[1] aponta que o Brasil tem um déficit de cerca de 100.000 profissionais por ano na área tecnológica.
Este quadro de escassez profunda gera a necessidade de desenvolvimento de três estratégias básicas para a manutenção dos profissionais que já possui quanto para a contratação daqueles necessários para subsidiar o seu crescimento.
Inicialmente, importa salientar que a competição por mão-de-obra qualificada é global, sendo crescentemente frequente a contratação de profissionais estrangeiros, inclusive brasileiros, para trabalhar como expatriados ou até mesmo de seus países natais (os chamados “expatriados virtuais”. Ou seja, o trabalho online tem permitido a contratação de brasileiros no Brasil por empresas estrangeiras[2].
Como vantagens, se apontam o conhecimento de outra cultura profissional, maior remuneração (chegando em alguns casos ao triplo da remuneração no Brasil para o mesmo cargo) e ganho de fluência em inglês, bem como a possibilidade de eventualmente emigrar para o exterior, realidade factível em razão da escassez global de profissionais de T.I.
Neste sentido, observa-se que vários países, tais como Canadá[3], Estados Unidos[4] e Austrália[5] possuem programas que privilegiam a imigração de mão-de-obra qualificada e mais necessária nos respectivos mercados de trabalho, sendo notória a escassez desses profissionais em âmbito global.
De fato, o Fundo Monetário Internacional (“FMI”) aponta que em 2030 o mundo terá um déficit de 85 milhões de trabalhadores na área tecnológica, com o Brasil podendo responder por um déficit de 18 milhões de trabalhadores[6].
Vocês devem estar se perguntando qual o papel do Direito diante desta perspectiva aterradora, que é o real pagão de mão-de-obra no setor de tecnologia. Esta resposta é essencialmente multifacetada e envolve um papel “ofensivo” e um “defensivo”.
O ponto de vista “ofensivo” seria a necessidade ativa de recrutamento de mão-de-obra quer por meio de parcerias com centros de formação, tais como universidades e edtechs, bem como a realização de aquisições de startups para a internalização dos times de tecnologia. Empresas dos mais diversos portes terão comportamentos distintos, considerando o capital disponível, o fit cultural e técnico com a empresa adquirida e a necessidade de treinamento específico para o exercício competente do trabalho.
Interessante exemplo de uma postura proativa de formação da mão-de-obra para sustentar o crescimento acelerado foi a parceria entre a XP e a Trybe, por meio da qual a XP dará bolsas de 50% (cinquenta porcento) para 300 alunos da Trybe, tornando mais factível para centenas de pessoas a qualificação profissional em uma área extremamente demandada.
Longe de ser vista como uma ação beneficente, embora notavelmente meritória, é a resposta mais eficiente para empresas de grande porte, que consideram a escassez de mão-de-obra uma ameaça aos seus planos de crescimento e desenvolvimento de produtos, sob pena de necessitarem entrar numa competição atroz por talentos disputados globalmente, com a eventual obrigação de oferecerem salários competitivos internacionalmente e muito acima da média nacional.
Para empresas com menos capital, a necessidade de uma postura defensiva é essencial, impossibilitadas de formarem internamente a mão-de-obra necessária, tampouco de oferecerem bolsas para a formação de novos profissionais, precisam evitar riscos relativos à propriedade intelectual decorrentes do turnover de seus contratados, bem como limitar a perda de profissionais para a concorrência.
Neste cenário, a celebração de contratos de emprego que prevejam adequadamente as restrições pós-contratuais relativas ao sigilo das informações da contratante, bem como a adequada formulação de cláusula de não-concorrência.
Não obstante haja uma discussão nos Estados Unidos sobre a abusividade as cláusulas de non-compet[7], o seu uso adequado, inclusive com remuneração do empregado para que não aceite propostas de concorrentes diretos da sua empregadora (idealmente deve ser listado exaustivamente quais as empresas para as quais a cláusula de non-compete se aplica), deve se transformar em um standard nas contratações de profissionais na área de TI.
Evitar que um empregado saia para prestar serviços num concorrente direto é a forma mais eficiente de se evitar as violações à propriedade intelectual da empresa, sendo essencial notar que a produção intelectual produzida pelo empregado em razão do trabalho, usando equipamentos e no horário de trabalho pertence à contratante, não ao empregado.
Essa dissociação entre o trabalhador e produto da sua capacidade intelectual já gerou disputas bilionárias, sendo uma das mais famosas aquela relativa ao roubo de propriedade intelectual e trade secrets promovida por Anthony Levandowski, antigo engenheiro da Waymo e que foi contratado pela Uber para ser chefe do projeto de desenvolvimento de veículos autônomos, contratação esta que deflagrou uma intensa disputa judicial entre as empresas[8].
Embora o caso acima seja verdadeiramente excepcional, serve para ilustrar os riscos decorrentes da inadequada redação ou inexistência de cláusula de non-compete nos contratos de trabalho.
As empresas que obterão os melhores resultados na retenção de sua propriedade intelectual e de seus empregados serão aquelas que combinarem contratos de trabalho restringindo a contratação por concorrentes diretos (remunerando adequadamente essa restrição de direitos, sob pena de ver tais cláusulas anuladas judicialmente) com ao alinhamento de interesses, com a utilização de contratos de vesting, entre outros.
Conclusivamente, no futuro próximo, as principais grandes empresas e startups brasileiras precisarão lidar com a escassez de mão-de-obra na área de Ti, precisando desenvolver estratégias para a aquisição do talento necessário para sustentar o seu crescimento.
[1] Valor Econômico. XP convoca a Trybe para dobrar time de tecnologia. Disponível em: https://pipelinevalor.globo.com/startups/noticia/xp-convoca-a-trybe-para-dobrar-time-de-tecnologia.ghtml Acesso: 26 jul. 2021
[2] Estadão. Home Office: como trabalhar para uma empresa no exterior sem sair do Brasil. Disponível em: https://www.estadao.com.br/infograficos/economia,home-office-como-trabalhar-para-uma-empresa-no-exterior-sem-sair-do-brasil,1159863 Acesso: 26 jun. 2021
[3] Disponível em: https://www.quebec.ca/en/immigration/immigration-programs/regular-skilled-worker-program/processing Acesso: 26 jul. 2021
[4] Disponível em: https://travel.state.gov/content/travel/en/us-visas/immigrate/employment-based-immigrant-visas.html#:~:text=Skilled%20workers%20are%20persons%20whose,or%20its%20foreign%20equivalent%20degree. Acesso: 26 jul. 2021
[5] Disponível em: https://immi.homeaffairs.gov.au/visas/getting-a-visa/visa-listing/skilled-independent-189/points-table. Acesso: 26 jul. 2021
[6] IMF. Tech Talent Scramble: Global competition for a limited pool of technology workers is heating up. Disponível em: https://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2019/03/global-competition-for-technology-workers-costa.htm Acesso: 27 jul. 2021
[7] FORBES. How Biden’s Proposed Ban On Non-Compete Agreements Would Impact Companies. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/edwardsegal/2021/07/09/how-bidens-proposed-ban-on-non-compete-agreements-would-impact-companies/?sh=50e465e074e0 Acesso: 27 jul. 2021
[8] FORBES. Anthony Levandowski Sentenced To 18 Months In Prison For Stealing Trade Secrets From Google. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/elanagross/2020/08/04/anthony-levandowski-sentenced-to-18-months-in-prison-for-stealing-trade-secrets-from-google/?sh=1306dc612d01 Acesso: 27 jul. 2021
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