Olá, caríssimo(a) Leitor(a)!
Com escusas pela demora, voltamos à nossa querida coluna “Juízo de Valor”, para trazer a vocês os debates mais atuais sobre temas jurídicos em geral – especialmente trabalhistas –, sempre com um olhar mais enviesado (ousado?) que aqueles olhares useiros e vezeiros, ou quiçá “clássicos” (acomodados?), encontradiços na doutrina dos resumos, cursinhos e afins (com todo respeito, sempre). Essa, ao menos, é a ideia. Afinal, ângulos mais abertos e inclinados geralmente permitem captar detalhes que o olhar convencional deixaria escapar. Então, por que não? Esta segue sendo, como sempre, a nossa aposta pedagógica e hermenêutica. Se estamos conseguindo, vocês é que dizem.
Nossa ausência deveu-se, permita-me a inconfidência, a fundadas razões de saúde. Sim, este colunista também foi aquinhoado com a sua cota-parte da pandemia global, o que exigiu algum tempo para a convalesça. E nem foi tão breve, apesar do meu “histórico de atleta”. Mas o importante é que, afinal, cá estou, recuperado, para a alegria dos meus credores.
E, por falar em recuperação (e também em credores), não poderia ser mais oportuno o tema deste mês: a responsabilidade solidária e subsidiária de codevedores trabalhistas nos ensejos de falência e de recuperação judicial (Lei 11.101/2005). Quanto o devedor principal (i.e., o empregador) é a massa falida ou a empresa em recuperação – e, portanto, as contas já não “fecham” –, havendo coobrigados, como (e onde) devem pagar? O tema, que já era algo polêmico, tornou-se ainda mais confuso a partir da Lei 11.412, no final do ano passado (24.12.2020). Merece um pensar mais atento.
Vamos olhar de perto?
Voilà.
Tem se tornado cada vez mais frequente, no âmbito da Justiça do Trabalho – e especialmente em sede de agravos de petição (CLT, art. 897, “a”) –, discussões densas e intermináveis sobre a possibilidade de se dirigir a execução trabalhista aos sócios da empresa falida ou em recuperação judicial, uma vez que já não será possível excutir o patrimônio da própria pessoa jurídica, mercê do que dispõe o art. 6º, §§ 2º e 3º, da Lei 11.101/2005 (dita “Lei de Recuperação Judicial e Falência” – LRF).
Há, com efeito, inúmeras decisões no sentido de que, uma vez concluído o acertamento dos créditos exequendos – i.e., após a liquidação dos títulos objeto da condenação –, estando a empresa em regime falimentar, todas as decisões relacionadas à falência, inclusive aquelas relacionadas à existência de sucessão empresarial (CLT, arts. 10 e 448) ou de grupo econômico (CLT, art. 2º, §2º), deveriam ser tomadas pelo juízo universal da falência. Nessa direção, veja-se, p. ex., TRT-15, Processo n. 0010140-68.2016.5.15.0106 (AP), 3ª T., 6ª Câm. (na espécie, a 6ª Câmara reformou decisão do Juízo a quo que caminhava precisamente naquele sentido). Outras similares, em relação a empresas cuja recuperação judicial já havia sido deferida nos autos próprios, são igualmente encontradiças.
O argumento central, em casos dessa natureza, é que a competência material da Justiça do Trabalho terminaria com a expedição da certidão do crédito a ser habilitado, “ex vi” do precitado art. 6º, §2º, da Lei 11.101/2005; e essa premissa alcançaria, a rigor, todas as ações oriundas de relações de trabalho mantidas com a empresa falida ou em recuperação, independentemente da pessoa a se executar (e não apenas aquelas ações/execuções havidas em face do ex-empregador). Daí que, uma vez expedida a referida certidão, restaria ao credor promover a sua habilitação para obter, no juízo falimentar ou da recuperação, uma possível satisfação, observando-se a classificação do artigo 83 da Lei de Falências e Recuperação Judicial e, bem assim, e os limites do privilégio trabalhista na falência (150 salários mínimos: art. 83, I).
Não raro, arestos do próprio Tribunal Superior do Trabalho são coligidos em abono da tese restritiva, nem sempre da maneira mais adequada. Veja-se, p. ex., o de ementa a seguir transcrita, evocado no processo acima reportado (e que, a nosso sentir, não corroborava a tese então pretendida pela parte):
“RECURSO DE REVISTA. 1. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EMPRESA SUBMETIDA A PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUCESSÃO DE EMPREGADORES. 1.1. Prevalece, nesta Corte, o entendimento de que os processos coletivos de execução, com concurso de credores, a exemplo da falência, recuperação judicial e insolvência civil, podem se processar perante a Justiça do Trabalho até a liquidação, momento, a partir do qual, o credor deve se habilitar perante o Juízo Universal para a percepção dos créditos. 1.2. Nessa esteira, decorrendo o pedido da relação de emprego, manifesta é a competência da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, I, da Constituição Federal. Recurso de revista não conhecido. 2. SUCESSÃO TRABALHISTA. EMPRESA SUBMETIDA A PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. ALIENAÇÃO DE BENS. ARREMATAÇÃO JUDICIAL. LEI Nº 11.101/2005. Nos termos do art. 60 da Lei nº 11.101/2005, não haverá sucessão do arrematante quando da alienação da unidade produtiva de empresa em processo de recuperação judicial. Neste contexto, a VRG LINHAS AÉREAS S.A. é parte ilegítima para figurar no polo passivo da reclamação trabalhista. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido”. (TST – RR: 438003120085040012, Relator: ALBERTO LUIZ BRESCIANI DE FONTAN PEREIRA, Data de Julgamento: 04/03/2015, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/03/2015 – g.n.).
Qual seria, com efeito, o melhor entendimento a propósito do tema?
Vejamos.
O art. 6º, §2º, da Lei 11.101/2005: limites do razoável
Como é cediço, dispõe o art. 6º da Lei 11.101/2005 (já na redação da Lei 14.112/2020) que, com a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial, dá-se:
“[…] I – suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei;
II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;
III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. “
Como se extrai da própria literalidade do texto, o preceito não afeta e nem poderia afetar a competência material da Justiça do Trabalho, ínsita ao art. 114, I, da CRFB – que, a propósito, não poderia mesmo ser “redimensionada” por lei ordinária –, para apreciar a responsabilidade patrimonial solidária ou subsidiária de outras empresas, sucessoras (CLT, arts. 10 e 448) ou pertencentes ao mesmo grupo econômico por subordinação ou coordenação (CLT, art. 2o, §§2o e 3o), desde que essas outras empresas não estejam falidas ou em recuperação judicial. Simples assim.
Noutras palavras, os juízos universais engendrados pela Lei de Recuperação Judicial e Falência restringem-se, em princípio, às próprias pessoas físicas e jurídicas falidas; não a todas as que acaso mantenham com elas relações jurídicas de qualquer natureza (civil, comercial, societária etc.), a não ser que os efeitos da falência estendam-se textualmente a tais pessoas (caso do sócio solidário, referido no inciso III, e como dispunha o art. 82 da Lei 11.101/2005, na redação da Medida Provisória nº 881/2019, que depois caducou).
Por outro lado, não havendo tal hipótese de extensão, é certo que a desconsideração da personalidade jurídica pode ter lugar na própria Justiça do Trabalho, mesmo porque o magistrado trabalhista será o juiz natural da causa, por imperativo constitucional, à vista do que dispõe o art. 114, I, da CRFB. É o que vinha entendendo, a propósito, o próprio Tribunal Superior do Trabalho, antes das recentes alterações introduzidas pela Lei 11.412, de 24.12.2020.
Vejamos, com mais vagar.
A jurisprudência dos tribunais superiores
Até 2020, já era jurisprudência dominante no C. TST a que reconhecia a possibilidade de se estender a execução trabalhista, no âmbito da própria Justiça do Trabalho, aos sócios da pessoa jurídica falida ou em recuperação. Mesma tese, aliás, estabeleceu-se, de modo dominante, com relação às outras empresas do mesmo grupo econômico – passivamente solidárias (CLT, art. 2º, §2º) ou responsáveis subsidiárias (e.g., TST, Súmula 331, IV; Lei 6.019/1974, art. 5º-A, §5º –, caso também não estivessem falidas ou em recuperação. Leia-se:
“AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. EXECUÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA EMPRESA EXECUTADA. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA EMPRESAS SUPOSTAMENTE INTEGRANTES DE GRUPO ECONÔMICO E SÓCIOS DA EXECUTADA. Agravo a que se dá provimento para examinar o agravo de instrumento em recurso de revista . Agravo provido. A jurisprudência desta Corte tem entendido que o redirecionamento da execução contra os integrantes do grupo econômico da empresa em recuperação judicial não retira a competência da Justiça do Trabalho, porquanto a constrição não recairá sobre bens da massa falida, mas contra os bens do sócio da executada principal. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST, RR 24.473-2013.5.06.0003, Relator: BRENO MEDEIROS, Data de Julgamento: 22.4.2020, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/04/2020 – g.n.)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. BENEFÍCIO DE ORDEM. FALÊNCIA. TRANSCENDÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. NÃO PROVIMENTO. Esta Corte Superior tem adotado posição de que, decretada a falência da devedora principal e, portanto, demonstrada a sua insolvência, a execução deve ser redirecionada contra o devedor subsidiário. Tal entendimento decorre da aplicação da Súmula nº 331, IV, da qual se extrai que a execução prosseguirá contra o responsável subsidiário desde que, configurado o inadimplemento do devedor principal, tenha participado da relação processual e conste do título executivo judicial. Na hipótese, o Tribunal Regional deu provimento ao agravo de petição do reclamante para autorizar o prosseguimento da execução contra a agravante, condenada em caráter subsidiário, em razão de ter sido decretada a falência da devedora principal. Desse modo, não se vislumbra a indicada afronta ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, na medida em que, diferentemente do que alega a recorrente, o Tribunal Regional, ao redirecionar a execução, amparou-se no fato de essa ter sido responsabilizada de forma subsidiária e não solidária, observando o título executivo judicial. Com relação à denunciada afronta ao artigo 97 da Constituição Federal, também não se verifica a sua ocorrência, uma vez que não houve a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por órgão fracionário do Tribunal Regional. Nesse contexto, não se vislumbra a transcendência política, social, jurídica ou econômica, nos termos do artigo 896-A, § 4º, da CLT. Agravo de instrumento de que não se nega provimento.” (TST, AIRR 237.016-2012.5.02.0465, Relator: GUILHERME AUGUSTO CAPUTO BASTOS, Data de Julgamento: 18/09/2019, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/09/2019)
Também assim se pacificou, ademais, no âmbito do C. Superior Tribunal de Justiça. Confira-se:
“PROCESSO CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO E JUSTIÇA CÍVEL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PENHORA ON-LINE. 1. O processamento de pedido de recuperação judicial não paralisa as reclamações trabalhistas ainda não julgadas. Entretanto, o deferimento de antecipação de tutela para pagamento de verbas incontroversas, com ordem de constrição de bens, consubstancia ato de execução. 2. A desconsideração da personalidade jurídica da empresa, contudo, pode ser decidida pela justiça do trabalho não obstante o pedido de recuperação judicial. Precedentes. 3. Conflito de competência não conhecido.” (STJ, CC 108721-DF, Proc. 2009/0220027-3, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 25.8.2010, Segunda Seção, Data de Publicação: DJe 6.9.2010 – g.n.)
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PENHORA DO FATURAMENTO DE EMPRESA PERTENCENTE AO MESMO GRUPO ECONÔMICO DA RECUPERANDA. EXECUÇÃO TRABALHISTA. 1. Se os ativos da empresa pertencente ao mesmo grupo econômico da recuperanda não estão abrangidos pelo plano de recuperação judicial, não há como concluir pela competência do juízo da recuperação para decidir acerca de sua destinação. 2. A recuperação judicial tem como finalidade precípua o soerguimento da empresa mediante o cumprimento do plano de recuperação, salvaguardando a atividade econômica e os empregos que ela gera, além de garantir, em última ratio, a satisfação dos credores. 3. Conflito de competência não conhecido.” (STJ, CC 90477-SP, Proc. 2007/0237632-4, Relator: Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data de Julgamento: 25.6.2008, Segunda Seção, Data de Publicação: DJ 1º.7.2008 p. 1 – g.n.)
E, já por isso, é como também vinham decidindo os tribunais regionais do trabalho. Na condição de juiz convocado junto à 6ª Câmara da 3ª Turma do E. TRT 15, p. ex., relatei processo em que se entendeu, à unanimidade, pela possibilidade da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica falida para alcançar outras empresas do mesmo grupo econômico (devedoras solidárias, nos termos do art. 2º, §2º, da CLT), como também os sócios alcançados pela via da desconsideração da personalidade jurídica (CLT, art. 855-A). Compreendeu-se, ademais, que eventual disputa paralela entre os próprios sócios e as outras empresas do grupo econômico – inclusive em sede de direito de regresso, como se insinuava na espécie – deveria, esta sim, ser decidida pelo juízo recuperacional (e não pela Justiça do Trabalho), tendo em vista a própria natureza da “precedência” que se pretendia discutir (estritamente mercantil, sem qualquer laivo de caráter alimentar). Veja-se:
“AGRAVO DE PETIÇÃO. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PARA DIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO TRABALHISTA ÀS PESSOAS DOS SÓCIOS. DIRECIONAMENTO ÀS DEMAIS EMPRESAS DE GRUPO ECONÔMICO. POSSIBILIDADE. 1. Tratando-se de empresa executada em relação à qual já houve o deferimento do processamento da recuperação judicial pelo juízo competente, não é mais possível a liberação dos seus dinheiros, em favor do exequente, ainda que depositados ou constritos anteriormente àquele deferimento, a despeito do que dispõe o art. 877 da CLT, consoante jurisprudência pacificada no âmbito do C. STJ (ut art. 105, I, “d”, da CRFB) e também no âmbito do C. TST (SBDI-II). Se já não houver alternativa de execução, restará ao exequente a habilitação tardia de seus créditos no Juízo da Recuperação Judicial, “ex vi” do art. 46 da Lei 11.101/2005. 2. Por outro lado, a execução poderá prosseguir, na Justiça do Trabalho, em face dos sócios, desde que presentes os pressupostos legais para a “disregard of legal entity”, porque o art. 82 da Lei 11.101/2005 aplica-se aos casos de “sociedade falida”, não de sociedade em recuperação judicial, não se tratando de disposição comum à falência e à recuperação (seções I a IV do capítulo II da LFRJ). 3. Da mesma forma, não há óbice à continuidade da execução trabalhista em face de empresas do mesmo grupo econômico (CLT, art. 2º, §2º), solidariamente responsáveis, desde que tais empresas não estejam também em recuperação judicial, em nome próprio. 4. No caso de se estabelecer, entre os sócios da pessoa jurídica executada ou entre as empresas de um mesmo grupo econômico, disputa quanto à responsabilidade patrimonial principal pelos créditos trabalhistas sonegados – que detêm caráter alimentar presuntivo -, poderão agir regressivamente, no momento e foro próprios (inclusive no próprio Juízo da Recuperação Judicial, habilitando-se no quadro de credores, se for o caso; afinal, não estarão reclamando créditos alimentares e supostamente poderão esperar). 5. Agravo de petição a que se dá parcial provimento, para determinar o prosseguimento da execução em face dos demais sujeitos do polo passivo da execução.” (TRT 15, AP 0000422-69.2014.5.15.0089, Relator: GUILHERME GUIMARAES FELICIANO, 6ª Câmara, Data de Publicação: 20.6.2020).
Cite-se, ainda, a remansosa jurisprudência do maior tribunal regional trabalhista brasileiro, desde pelo menos a primeira década deste século. Com efeito, da jurisprudência do TRT da 2ª Região extraem-se, emblematicamente, os seguintes julgados:
“AGRAVO DE PETIÇÃO – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – A FALÊNCIA DA DEVEDORA PRINCIPAL. No caso de a responsável principal ser representada pela massa falida, como ocorre na hipótese sub judice, resta evidente que esta não possui bens livres e desembaraçados para responder pelas obrigações trabalhistas, considerando que todos eles foram arrecadados no processo falimentar. Em tal contexto, conclui-se que a execução em face daquele devedor não surtirá qualquer efeito, sequer havendo garantias de que todos os habilitados tenham os seus direitos devidamente adimplidos. Por esse modo, não prospera a pretensão de que, em razão da decretação da falência da 1ª reclamada, deve o reclamante, primeiramente, habilitar o seu crédito perante o Juízo Universal da Falência, nos termos do artigo 6º, da Lei nº 11.101/05, para que, então, concorra com os demais credores. Por essa forma, diante da natureza alimentar dos créditos devidos ao trabalhador, bem como dos princípios da economia e celeridade processuais, com vistas a evitar a realização de atos processuais inúteis, em evidente prejuízo ao credor trabalhista, imperioso é o redirecionamento da execução em face da responsável subsidiária,aqui representada pela Telefônica S/A, de modo a dar efetividade ao comando da coisa julgada. Agravo de petição a que se nega provimento.” (TRT 2, AP 000015351-2013.5.02.0372, Relator: SONIA MARIA LACERDA, Data de Julgamento: 24/02/2015, 5ª TURMA, Data de Publicação: 27/02/2015 – g.n.)
“MANDADO DE SEGURANÇA – TERCEIRIZAÇÃO – FALÊNCIA –RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.Configurada a ilegalidade no ato judicial que, diante da insuficiência patrimonial da devedora principal, inclusive em processo falimentar, indefere o prosseguimento da execução contra a 2ª reclamada, responsável subsidiária. No caso, sujeitar o exequente ao longo, e, em muitas vezes inútil, processo de arrecadação de bens no juízo universal falimentar, é renegar, equivocadamente, o fato de que a contratação terceirizada, embora legítima, confere responsabilidade subsidiária ao tomador de serviços, com a finalidade de tornar mais eficaz a execução, notadamente quando ocorre a quebra da 1ª reclamada. O posicionamento adotado contrapõe-se à norma constitucional recentemente introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, inserta no artigo 5º, inciso LXXVIII, que elevou à condição de direitos fundamentais do cidadão os princípios da razoável duração e da celeridade processuais. Segurança concedida.” (TRT 2, MS 12472.2005.000-02-007, rel. Des. WILMA NOGUEIRA DE ARAÚJO VAZ DA SILVA, DOE: 26/09/2006 – g.n.)
“EXECUÇÃO – FALÊNCIA DA DEVEDORA PRINCIPAL EXECUÇÃO – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA TOMADORA. Não caracteriza violação ao devido processo legal o redirecionamento da execução em desfavor da devedora subsidiária, em face da falência da principal, quando evidente a dificuldade de, pelos meios ordinários, bloquear dessa, bens suficientes para quitar o débito. O patente estado de insolvência da empresa executada (Comunicação CR nº 02/2007, de 22/02/2007-DOE/SP 01/03/2007) e a condenação subsidiária prevista em título judicial transitado em julgado compõem o suporte jurídico para afastar a habilitação do crédito trabalhista no Juízo da Falência.” (TRT 2, RO 00431.2006.471.02.00-9, 8ª Turma, rel. Des. ROVIRSO APARECIDO BOLDO, DOE 28.08.2007 – g.n.)
“AGRAVO DE PETIÇÃO – FALÊNCIA DO DEVEDOR PRINCIPAL – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. A falência nada mais é que o reconhecimento judicial do estado de insolvência do devedor, o que, por óbvio, demonstra sua condição de inadimplente perante seus credores. Recorde-se que é a inadimplência do devedor principal o requisito que permite ao credor redirecionar a execução de seu crédito trabalhista diretamente contra o devedor subsidiário, nos termos da Súmula nº 331, item IV, do TST, não sendo necessário que proceda a habilitação de seu crédito perante o Juízo Falimentar e aguarde a finalização do concurso de credores. Agravo de petição a que se dá provimento.” (TRT 2, AP 00208-2003-049-02-00-5 , rel. Des. MARIA DORALICE NOVAES, 3ª Turma, DOE-SP 13/01/2009 – g.n.)
“RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – FALÊNCIA DO DEVEDOR PRINCIPAL. A falência da primeira executada é prova cabal de sua incapacidade para satisfazer o crédito do obreiro. A habilitação do crédito no Juízo Falimentar implicaria na submissão a um processo longo, e de resultado incerto, diante do concurso de credores e do limite legal ao crédito trabalhista. A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços objetiva a garantia da quitação do crédito trabalhista de maneira célere, tendo em vista sua natureza alimentar. Uma vez demonstrada a insolvência da devedora principal, deve a execução prosseguir contra o responsável subsidiário. O fato de o responsável subsidiário ser uma autarquia em nada altera sua obrigação como garantidor do cumprimento da condenação.” (TRT 2, RO 03897007620065020080, rel. Des. IVANI CONTINI BRAMANTE, 4ª Turma, DOE 10/06/2011 – g.n.).
Até dezembro de 2020, portanto, pouca ou nenhuma dúvida havia a esse propósito: os coobrigados trabalhistas, em regime de subsidiariedade ou de solidariedade passiva, poderiam ser executados na própria Justiça do Trabalho, desde que – no caso dos solidários – já não estivessem também alcançados pelos efeitos da falência ou da recuperação judicial.
Essa platitude abala-se, porém, com o alvedrio legislativo havido em finais de 2020, ao se editar, após reduzido debate parlamentar, a Lei 11.412/2020. A “novatio legis” teria o condão de determinar a superação (“overruling”) da jurisprudência antes consolidada (CPC, art. 489, §1º, VI, in fine)? Afinal, nos termos do Enunciado n. 324 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), “[l]ei nova, incompatível com o precedente judicial, é fato que acarreta a não aplicação do precedente por qualquer juiz ou tribunal, ressalvado o reconhecimento de sua inconstitucionalidade, a realização de interpretação conforme ou a pronúncia de nulidade sem redução do texto”. Caberia então, a partir de agora, mudar o entendimento acima, praticamente consolidado à altura?
Entendemos que não. Digamos o porquê.
O advento da Lei 11.412, de 24.12.2020: o que mudou?**
Entrou em vigor, em 26.3.2021 (com republicação em 30.3.2021), a Lei 11.412, de 24 de dezembro de 2020, que “[a]ltera as Leis n os 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, 10.522, de 19 de julho de 2002, e 8.929, de 22 de agosto de 1994, para atualizar a legislação referente à recuperação judicial, à recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária”. Teve por finalidade, no campo da recuperação judicial e da falência, aperfeiçoar os respectivos procedimentos e redimensionar alguns dos efeitos jurídicos materiais e processuais ligados a tais institutos.
Não, porém, sem polêmica.
Basta ver que, na Mensagem n. 752, de 24.12.2020, o Exm.º Sr. Presidente da República, ouvido o Ministério da Economia, vetava o novo teor do parágrafo 10 do art. 6º da LRF, sob o corretíssimo argumento de que “[a] proposta legislativa dispõe que, na hipótese de recuperação judicial, também serão suspensas as execuções trabalhistas contra responsável, subsidiário ou solidário, até a homologação do plano ou a convolação da recuperação judicial em falência.
Entretanto, e embora se reconheça o mérito da proposta, o dispositivo contraria o interesse público por causar insegurança jurídica ao estar em descompasso com a essência do arcabouço normativo brasileiro quanto à priorização dos créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho, nos termos do art. 186 do Código Tributário Nacional – CTN, e da própria sistemática instituída pela Lei nº 11.101, de 2005, para a proteção desses créditos.” (g.n.)
Com efeito, a literalidade do parágrafo 10 trazia consigo, no mínimo, imensa temeridade; e, no seu limiar crítico, um sentido retrocesso social, inclusive à vista da proteção constitucional dos salários (CRFB, art. 7º, caput e incisos IV, V, VI, VII, X, art. 100, §1º etc.) e da duração razoável dos processos (CRFB, art. 5º, LXXVIII), especialmente em se tratando de créditos alimentares. O dispositivo rezava, com efeito, que, “[n]a hipótese de recuperação judicial, também serão suspensas as execuções trabalhistas contra responsável, subsidiário ou solidário, até a homologação do plano ou a convolação da recuperação judicial em falência”. E, conquanto o Congresso Nacional tenha derrubado alguns outros vetos (como, e.g., o do art. 6º-B), esse – o do parágrafo 10 – felizmente foi preservado.
Nem por isso, todavia, as “novidades” da Lei 14.112/2020 deixaram de suscitar polêmicas – para não dizer perplexidades – em seara trabalhista.
Duas delas, mais relevantes, merecem a nossa atenção neste momento. Ambas dizem com a desconsideração da personalidade jurídica das empresas. Por um lado, o art. 6º-C passou a prever que “[é] vedada atribuição de responsabilidade a terceiros em decorrência do mero inadimplemento de obrigações do devedor falido ou em recuperação judicial, ressalvadas as garantias reais e fidejussórias, bem como as demais hipóteses reguladas por esta Lei.”
Por outro, o art. 82-A passou a estatuir o seguinte:
“Art. 82-A. É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica.
Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) , não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).”
Pois bem.
Como transcrito acima, o art. 6º-C da Lei 11.101/2015 passa a proibir o redirecionamento da execução a terceiros por “mero inadimplemento”, tanto na recuperação judicial como na falência. Isso levaria à primeira conclusão – equivocada, a nosso ver – de que a mera inadimplência de verbas trabalhistas seria insuficiente para se executar os devedores trabalhistas subsidiários e os próprios sócios da empresa falida ou em recuperação, inclusive pela via da desconsideração da personalidade jurídica (que ficaria restrita, portanto, à “teoria maior” do art. 50 do Código Civil).
Não é, porém, o melhor entendimento.
A rigor, o referido art. 6º-C sequer se aplica às relações de trabalho. E não se aplica porque, a uma, não há omissão legislativa para os efeitos do art. 769 da CLT. Com efeito, há regra própria, para o processo laboral, quanto aos devedores subsidiários mais recorrentes; veja-se o art. 5º-A, §5º, da Lei 6.019/1974, na redação da Lei 13.429/2017 (ao dispor, para os casos de terceirização de serviços, que “[a] empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços”), como ainda o art. 10-A da CLT (estatuindo que “[o] sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência: I – a empresa devedora; II – os sócios atuais; e III – os sócios retirantes”).
A duas, é importante compreender que não se trata, nesse caso, de “mero inadimplemento” de obrigação trabalhista, mas do uso de engenharias contratuais para a violação oblíqua ao valor social do trabalho (CRFB, art. 1º, IV, 1ª parte) e à própria finalidade alimentar das verbas de natureza alimentar (que é, afinal, a natureza jurídica prevalecente dos títulos exequendos perante a Justiça do Trabalho). Trata-se, até por isso, de responsabilidade patrimonial que surge desde o momento em que o trabalho é prestado, em desfavor do devedor trabalhista subsidiário em geral, independentemente da condição econômica ou da solvabilidade originária do devedor principal (sujeitando-se, porém, a uma condição suspensiva – v. CC, art. 125, “per analogiam” –, a saber, a capacidade/possibilidade de pagamento do empregador; eis o que se manifesta, na dimensão processual, como benefício de ordem em favor do devedor subsidiário). E, para mais, o art. 10-A da CLT, combinado com o art. 28 do CDC (“teoria menor”), prevalece, pela especialidade, sobre a regra geral do art. 6º-C. Aliás, assim já decidimos alhures, com a adesão dos pares na C. 6ª Câmara do TRT da 15ª Região:
“[…] Na espécie destes autos, cuida-se de se aplicar a chamada “teoria menor “da desconsideração da personalidade jurídica (expressão originalmente utilizada pelo comercialista FÁBIO ULHÔA COELHO e depois” renunciada “por ele próprio), que deixa raízes no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (também aplicável ao processo e à execução trabalhista, ut arts. 769 e 889 da CLT, como “direito processual comum”, como se dirá melhor adiante); era desnecessário, portanto, identificar (ou provar) os pressupostos mais rigorosos do art. 50 do Código Civil (especialmente após a Lei 13.874/2019), que dizem com a chamada “teoria maior”: confusão patrimonial, desvio de finalidade, abuso de personalidade jurídica em sentido estrito etc. Também perde relevância, nesse caso, o fato de o agravante não ter sido formalmente administrador da empresa. Bastava, para a ” disregard of legal entity”, o mero encerramento das atividades da empresa (que é incontroverso nos autos, até porque documentado pelo próprio agravante) em condição de relativa insolvência (na espécie, em relação aos créditos trabalhistas já reconhecidos ao exequente, até hoje sem a devida satisfação).
Com efeito, mercê dos arts. 50 do Código Civil e 28 do Código de Defesa do Consumidor, de aplicação subsidiária ao Direito do Trabalho (como “direito comum”, ut art. 8o, par.1o, CLT), como ainda à vista dos artigos 133 a 137 do CPC e do próprio art. 855-A da CLT, não se vislumbra qualquer impedimento a que a desconsideração da personalidade jurídica se dê na fase de execução, ainda que os sócios não constem do título executivo judicial. E, na mesma alheta, considero que, do ponto de vista jurídico-material, o art. 28 do CDC – que consagra a chamada “teoria menor” da desconsideração da personalidade jurídica – têm maior pertinência axiológica à circunstancialidade da esfera processual-trabalhista, inclusive à vista das relações materiais subjacentes (tanto nas relações de trabalho como nas relações de consumo há típicos vínculos econômicos assimétricos, em que o hipossuficiente econômico figura num dos polos contratuais), podendo o juiz do Trabalho aplicá-lo às execuções trabalhistas, direta e subsidiariamente, em detrimento do art. 50 do Código Civil. Tal pertinência acentua-se ainda mais se se compreende que tanto a legislação trabalhista quanto a consumerista não admitem a transferência dos riscos da atividade empresarial a terceiros (no caso trabalhista, aos empregados; no caso consumerista, aos consumidores), placitando o chamado princípio da alteridade. […]” (TRT 15, AP 0011087-91.2017.5.15.0105, Relator: GUILHERME GUIMARAES FELICIANO, 6ª Câmara, Data de Publicação: 20/06/2020 – g.n.).
Em direção similar, na melhor doutrina (TAVEIRA, U. M..; TAVEIRA, V. M. Manuel estratégico de recuperação judicial: impactos no direito e no processo do trabalho. Cuiabá: VersoReverso, 2021. pp.159-160), leia-se:
“[…] Importante esclarecer que o artigo 6º-C da Lei 11.101/05, incluído pela Lei 14.112/05, ao vedar a atribuição de responsabilidade a terceiros em razão do mero inadimplemento da devedora, em nada altera esse entendimento cristalizado na jurisprudência. […] Isso porque o devedor subsidiário não é terceiro na relação de direito material, nem mesmo na relação jurídico-processual trabalhista, mas sim parte. Ademais, sua responsabilidade não decorre do “mero inadimplemento”, mas do fato de se beneficiar do trabalho alheio, o que se constitui como fundamento lógico-jurídico dos artigos 5º-A, §5º, da Lei 6.019/74, ambos instituídos pela Lei 13.467/2017.”
Adiante (p. 230):
“[…] Não se pode deixar de registrar que a responsabilidade subsidiária na terceirização e no trabalho temporário não decorre do “mero inadimplemento de obrigações do devedor falido ou em recuperação judicial”, mas do fato de os tomadores se beneficiarem do trabalho de outrem, fundando-se nos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e da empresa.”
É, com efeito, como pensamos.
O art. 82-A da Lei 11.101/2015, por sua vez, estatui que o juiz da falência somente pode desconsiderar a personalidade jurídica da empresa falida com base no art. 50 do Código Civil (logo, à luz da dita “teoria maior”), após a tramitação do incidente de desconsideração (CPC, arts. 133 a 137). É algo problemático, como se vê, para os casos de empregador falido. Há quem o compreenda como uma norma de competência, de modo que apenas o juízo universal da falência poderia decretar a desconsideração da personalidade jurídica de empresas falidas, inclusive em relação a credores trabalhistas. Lego engano. Tal interpretação restritiva violaria, inclusive, a regra competencial do art. 114, I, da Constituição da República; e, logo, à luz da necessária interpretação conforme à Constituição (“verfassungskonformen Auslegung”), impende compreender que a regra do art. 82-A da LRF não é uma norma de competência material, mas uma norma de procedimento (que, como tal, obviamente só vincula o juiz da falência no processo/procedimento próprio(s), como regido(s) pela Lei 11.101/2005).
Em relação ao sócio solidário, enfim, o equacionamento jurídico segue sendo aquele estabelecido antes da Lei 11.412/2020: a sua responsabilidade patrimonial é limitada, ressalvadas as hipóteses legais expressas em que respondem ilimitadamente com seu patrimônio pessoal (e.g., sociedades em comandita e sociedades em comum, ut CC,art. 1.045, caput – para os sócios comanditados – e art. 990, respectivamente). Em todos os demais casos, se se pretender ir além dos próprios patrimônios afetados para a sociedade e alcançar os patrimônios pessoais de sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e/ou dos administradores, será mesmo necessária a desconsideração da personalidade jurídica (pela via do art. 50 do Código Civil, como visto).
Já naquelas restritas hipóteses de solidariedade passiva integral de sócios, pouco encontradiças nos processos trabalhistas (e na própria jurisprudência empresarial), é certo que a recuperação judicial e a falência promovem efeitos jurídicos abrangentes: o sócio solidário termina abrangido pelos respectivos efeitos processuais e materiais, inserindo-se no âmbito da competência material do juízo recuperacional e falimentar (Lei 11.101/2005, art. 6º, II). O mesmo fato jurídico ocorrerá quando houver a prévia desconsideração da personalidade jurídica pelo próprio juízo universal da falência (Lei 11.101/2005, art. 82-A). Diante dessas hipóteses, a competência material da Justiça do Trabalho realmente não poderá ser exercida.
Se, por outro lado, essas hipóteses não estiverem presentes – i.e., se não se tratar de sócio solidário e não houver decreto prévio de desconsideração da personalidade jurídica no juízo universal –, os respectivos patrimônios não estarão alcançados pela recuperação judicial ou pela falência, cabendo aplicar a inteligência das Súmulas 480 e 581 do C. STJ e, bem assim, a tese firmada no Tema Repetitivo n. 885 do mesmo Sodalício. Vejam-se:
“Súmula 480/STJ: Competência. Conflito de competência. Juízo universal. Juízo da recuperação judicial. Penhora. Bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa. Lei 11.101/2005, art. 6º, Lei 11.101/2005, art. 47 e Lei 11.101/2005, art. 76. CPC/1973, art. 655. O juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa.”
“Súmula 581/STJ: A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.”
Quanto ao Tema Repetitivo n. 885, eis a tese firmada a partir do REsp 1.333.349/SP (rel. Min. LUÍS FELIPE SALOMÃO, j. 26.11.2014, afetado em 23.9.2014 e com trânsito em julgado em 11.3.2015):
“A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005.”
Na questão específica da desconsideração da personalidade jurídica, enfim, confira-se, por todos, o que decidido no Conflito de Competência n. 155.003/RS, em sede de agravo interno em embargos declaratórios (rel. Min. M. A. BELLIZZE, 2ª Seção, DJe 28.2.2018), ou ainda no Conflito de Competência n. 160.384/SP, em sede de agravo interno (não se admitindo sequer a figura do conflito positivo de competência, já que se trata de juízes distintos decidindo sobre a destinação processual de patrimônios distintos). In verbis:
“AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXECUÇÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA. INCLUSÃO DE COOBRIGADOS NO POLO PASSIVO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. COMPETÊNCIA INDISTINTA DA JUSTIÇA COMUM E DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AUSÊNCIA DE INVASÃO DE ATRIBUIÇÕES JUDICIAIS. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos da iterativa jurisprudência desta Corte, a Justiça do Trabalho tem competência para decidir acerca da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade em recuperação judicial, bem como para, em consequência, incluir coobrigado no polo passivo da execução, pois tal mister não é atribuído com exclusividade a um determinado Juízo ou ramo da Justiça. 2. Nas hipóteses em que bens de terceiros, de sócios, de coobrigados, de devedores solidários ou de sociedade do mesmo grupo econômico, não submetidos ao plano de recuperação judicial, são chamados para responder à execução ajuizada contra a sociedade em recuperação judicial, a jurisprudência desta egrégia Corte firmou o entendimento de não reconhecer a existência de conflito de competência, porquanto não há dois juízes decidindo acerca do destino do mesmo patrimônio. 3. Em casos assim, a sociedade em recuperação judicial é até mesmo beneficiada com a continuidade da execução contra os sócios ou coobrigados, pois em um primeiro momento fica desonerada daquela obrigação, que somente depois lhe será exigida, se for o caso, regressivamente. 4. Incidência da Súmula 480 desta Corte: “O juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa.” 5. Agravo interno desprovido.” (STJ, AgInt no CC 160.384/SP, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 23/10/2019, Segunda Seção, Data de Publicação: DJe 30/10/2019 – g.n.)
Logo, em todos os casos alheios às hipóteses do 6º, II, e 82-A da LRF – como, por excelência, os de devedores coobrigados em caráter subsidiário e/ou por desconsideração da personalidade jurídica decretada na esfera trabalhista – , o juiz do Trabalho segue autorizado a prosseguir com as respectivas execuções na própria Justiça do Trabalho. E, no segundo caso (“disregard”), poderá inclusive levantar o véu da personalidade jurídica na própria ação trabalhista, pela via do art. 28 do CDC, em sede cognitiva ou executiva (CPC, art. 134, caput), inclusive “inaudita altera parte” (assim, e.g., em caráter cautelar: CLT, art. 855-A, §2º, in fine, c.c. CPC, art. 301), sem prejuízo do estabelecimento ulterior do contraditório diferido (CLT, art. 855-A, caput, c.c. CPC, art. 135).
Aliás, o próprio veto presidencial ao novel parágrafo 10 do art. 6º, como vazado na Mensagem n. 752/2020 (supra), é a evidência hermenêutica inexorável de que, na perspectiva da “mens legis” (e, portanto, em autorizada interpretação histórica), prevaleceu institucionalmente, no esquema republicado de freios e contrapesos, a primazia da proteção dos salários no âmbito da própria Justiça do Trabalho, ao menos no que toca aos codevedores subsidiários ou mesmo aos coobrigados solidários não alcançados nominalmente pela recuperação judicial ou pela falência.
Então, afinal, quanto aos aspectos supra, o que mudou com o advento da Lei 11.412/2020?
Nada. E nem deveria.
Ao decidir a ADI n. 3.934-2/DF, o Supremo Tribunal Federal compreendeu que a Lei 11.101/2015 andava bem ao estabelecer, para os créditos trabalhistas, restrições creditícias que não existiam sob a égide do revogado Decreto-lei 7.661/1945. Nas palavras do relator. Exm.º Min. Ricardo Lewandowski, “o estabelecimento de um limite quantitativo para a inserção dos créditos trabalhistas na categoria de preferenciais, do ponto de vista histórico, significou um rompimento com a concepção doutrinária que dava suporte ao modelo abrigado no Decreto-lei 7.661/1945, cujo principal enfoque girava em torno da proteção do credor e não da preservação da empresa como fonte geradora de bens econômicos e sociais”.
Pessoalmente, tínhamos outro entendimento. À altura da derradeira tramitação do PL n. 4.376/1993 na Câmara dos Deputados (que redundou na Lei 11.101/2005), em parecer técnico produzido para a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (amplamente referenciado, aliás, durante os debates parlamentares ulteriores, pelo então Senador Eduardo Suplicy e por outros vários congressistas), registrávamos todas as nossas reticências jurídicas, econômicas e sociais, mercê do Direito Internacional do Trabalho (Convenção OIT n. 173), da jurisprudência estrangeira e do próprio princípio da vedação do retrocesso social. A partir de 27.5.2009, porém, já não havia dúvida possível no âmbito do Poder Judiciário: a proeminência principiológica, em sede falimentar e recuperacional, passara à empresa – à sua preservação e à sua “função social” (para a geração de bens econômicos e sociais) –, sendo que a preservação dos postos de trabalho (e o próprio privilégio dos créditos trabalhistas) seria assegurada apendicularmente, “tanto quanto possível”.
Se é certo que as conclusões do Excelso Pretório admitiriam um longo debate doutrinário sobre acertos e desacertos, cabe aqui sermos pragmáticos. O que foi dito em maio de 2009 está agora definitivamente dito, por quem poderia dizer por último. Isto, porém, não significa que o regime jurídico da Lei 11.101/2005, com todas as suas “prelações”, deva contaminar tudo o que de algum modo se conecte com a empresa falida ou em recuperação, nem que o regime jurídico-constitucional de proteção dos salários e dos trabalhadores possa ser derrogado ou amesquinhado sempre que se identifique, em alguma ponta contratual, a figura do falido ou do recuperando.
Bem ao revés, deve-se compreender que o amparo legal da pessoa falida ou em recuperação, naquilo que validamente ressalva ou relativiza a tutela jurídica laboral (e, por extensão, a própria competência da Justiça do Trabalho), opera sempre em caráter de excepcionalidade; e, sendo excepcional, não admite extensões ou desdobramentos que não tentam literal chancela legislativa. A máxima exegética aqui aplicável, aliás, decerto não é nova: “exceptiones sunt strictissimoe interpretationis”. Deita prováveis raízes no direito medieval. Ou quiçá bem antes, se quisermos ser mais criativos e bíblicos: “Quem é fiel nas coisas pequenas também será nas grandes; e quem é iníquo nas coisas pequenas, também será nas grandes” (Lucas, 16: 10-11).
A iniquidade, com efeito, pode vir nos pequenos tropeços. Inclusive hermenêuticos.
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E então, há algum tema que pareça merecer um olhar “diferente”, Amigo(a) Leitor(a)? Sugira-nos. O e-mail está abaixo. Você é réu do seu juízo.
** Registro, nesta parte, os meus efusivos agradecimentos ao Prof. Vinicius Taveira, com quem travei prévia e importante interlocução em torno das novidades introduzidas pela Lei 11.412/2020, quase à maneira de braimstorm que precedeu a redação do presente tópico.
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